Questão racial não é um debate sobre Direitos Humanos
- Por Danielle Moraes
- 1 de dez. de 2017
- 3 min de leitura
Muito em voga na atualidade, face a constante violação de direitos no mundo capitalista são os debates étnico-raciais e os debates dobre direitos humanos. Intencionalmente, os temas foram colocados no plural. A intencionalidade deve-se ao fato de que temos diversos debates étnico-raciais e diversos debates sobre direitos humanos.
A branquitude reacionária usando de toda e qualquer desculpa histórica para garantir seus privilégios, pretos voltando-se para suas origens numa perspectiva decolonial, os direitos humanos das vítimas, os direitos humanos dos cidadãos, de alguma forma, em conflito com a lei.

Em se tratando dos dois últimos, a resposta inicial dos “progressistas” recorrentemente é de que os direitos humanos são universais. Não existe o direito das vitimas, no caso de crimes em sociedade, nem o direito dos “criminosos”. Mas esquecem de enxergar a realidade de que, na prática, criminosos – em grande maioria preta – são jogados nas masmorras que chamamos de cadeias.
No entanto, quando pensamos quantitativamente em quem são esses criminosos, quem são essas pessoas que por algum motivo sofrem as sanções de quebrar o contrato social legal e normativo, enxergamos que são negros. No senso comum, a primeira proteção a ser questionada é a dos corpos “criminosos”, recorrentemente corpos negros uma vez que o racismo serve muito bem ao capitalismo.
E onde fica os direitos humanos nas celas abarrotadas de corpos negros? Nas bocas de fumo onde negros seguram armas que nem sabe de onde vem? Sob as marquises onde gerações vivem e se reproduzem socialmente sem a menor condição e invisíveis?
Partindo desse princípio, debater a questão racial no cerne da questão – o racismo estrutural – pelo viés dos direitos humanos, é querer atingir a expressão do problema e não o problema em si. E o problema, nesse caso, já parte da epistemologia do discurso.
Segundo Comparato e Konder (2016)
“Na verdade, os direitos humanos não surgiram com a declaração universal dos direitos humanos. Duas histórias podem ser contadas a respeito da sua origem. A primeira história associa a ideia de direitos humanos a um certo consenso cultural e religioso. De acordo com essa abordagem, há uma ética ou uma moral comum a todas as culturas e religiões e que pode ser expressa em termos de direitos. A segunda história considera os direitos humanos como o resultado de um longo processo de evolução, que implica numa promessa de progresso e almeja a um futuro feliz. Esta ideia de progresso inevitável da sociedade humana ganhou força com o debate filosófico que precedeu e inspirou a Revolução Francesa e resultou na primeira grande declaração de direitos. “
Ou seja, o princípio de direitos humanos parte da premissa eurocêntrica, onde quem tem acesso à possível garantia dos direitos humanos são os que se encaixam socialmente. Ainda, não esqueçamos que este debate ganhou força e garantiu a publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos uma vez que globalmente estavam todos estarrecidos pelos atos perpetrados contra a população judaica durante a segunda guerra mundial. E daí já percebemos a comoção de quem tem a garantia dos direitos humanos. De quem é enxergado como humano, logo, detentor do direito à proteção, ao cuidado, à existência.

Historicamente, diversos países utilizaram mão de obra escrava negra na sua constituição. No entanto, o que comoveu diversas nações foi a morte de milhões de pessoas brancas. Onde está a comoção quando são corpos negros assassinados e alijados de direitos? Direito à vida, à cultura, à alimentação, aos cultos, à existência. Inclusive, enquanto na França os "direitos" eram ampliados, negros ainda eram escravizados no Brasil e nos EUA.
A concepção de direitos humanos nunca contemplou corpos negros. Inclusive já que estes foram alijados de sua humanidade e animalizados desde que o primeiro branco pisou na África, fazer isso é gerar ainda mais problemas para os corpos negros. Colocar o debate da questão racial na centralidade dos direitos humanos é, ao mesmo tempo, recorrer à inferência, à chancela da branquitude na humanidade do povo negro. É dizer que precisamos que eles nos digam humanos para podermos acessar direitos e nos reproduzir social e materialmente.
Logo, não podemos misturar as coisas ou colocar a centralidade do debate sobre a questão de direitos humanos. O debate é sobre RACISMO e racismo, como sabemos bem, numa sociedade eurocentrica, define humanidade.
E como bem sabemos, não precisamos que eles nos digam humanos. Precisamos, sim, que eles se assumam racistas.

*Bacharel em Serviço Social pela UNIRIO, pós graduanda no Instituto dos Pretos Novos em História da África e afrobrasileira, umbandista, marxista, feminista preta interseccional, membra da Associação Elas Existem e mãe do Davi.
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