Reprodução do Racismo e a opressão em oprimir
- Por Patrícia Pagu
- 30 de nov. de 2017
- 4 min de leitura
Quando compartilhamos um vídeo onde uma socialite se utiliza de termos racistas contra uma criança de 4 anos de idade, estamos reproduzindo o racismo. Isso não é algo consciente, e também não é proposital, mas entre muitas pessoas que assistem o seu compartilhamento, um grupo acaba se identificando com o conteúdo e compartilhando esse tipo de ideia que fere a imagem de um povo, de uma cultura, de uma etnia.
Existem outros tipos de denúncia sem precisar dar audiência a um conteúdo completamente agressivo e descontextualizado. A minha pergunta é: Por que damos tanto ibope a esse tipo publicação?
É importante também sermos solidários aos pais da criança afetada, mas sobretudo entender que quem sofreu racismo foi ela e não seus pais que são brancos e comercialmente aceitos a ponto de ganharem dinheiro vendendo sua imagem.

Outro fato que me chama muito atenção é o caso de uma atriz, muito famosa por sinal, ter dado uma declaração dizendo sofrer por saber que seu neto pode levar tapa na cara por ser negro, e a manchete do jornal produzir um editorial onde diz que ela sofre racismo pelo neto ser negro. É importante dizer e repetir quantas vezes for necessária que branco não sofre racismo, o que acontece é uma opressão por questões sociais ou mesmo por questões econômicas e devemos ser solidários ao seu neto negro que sofre na pele o racismo social de cada dia.
Ex morador da Gávea, Chico Brown filho de Helena (filha de Chico Buarque de Hollanda e Marieta Severo) e de Carlinhos Brown (compositor e produtor musical) teve sua vida devassada pelo fato de ser filho de homem preto e por ele próprio ser preto, sofrendo racismo explícito da sua vizinhança de elite na zona sul do Rio de Janeiro, o que obrigou sua família se mudar para Salvador para se sentirem mais aceitos em seu meio social. Helena, mulher branca não sofre racismo pela sua condição, quem sofre o racismo são seus filhos e o seu marido na qualidade de negros a olhos vistos. Isso não exime o sofrimento de sua avó por estar próxima dessa situação, também não exime seus pais por participarem de forma indireta desse processo, mas quem sente o racismo na pele são os pretos da família e não os brancos, pois sempre que o privilégio falar mais alto, ela será beneficiada pela cor da sua pele.
Estamos falando de pessoas famosas ou economicamente bem sucedidas. Agora imaginem pais brancos com filhos negros nas favelas? Imaginem os filhos negros na favela? Imaginem esses filhos, maridos, irmãos que sofrem opressão policial todos os dias nas favelas? E que a única forma de expressão dessas vítimas e suas famílias é o silêncio por conta do medo de serem rechaçados por falta de acolhimento social.

Vocês conseguem imaginar um preto, filho de branco, que é chamado de mosquito no leite, babuíno, macaco todos os dias sem direito de defesa? Pois o seu meio social está tão acostumado a oprimir e ser oprimido que não percebe a gravidade desse problema. Quando um vídeo desses chega num meio onde a educação é deficitária e o mesmo é reproduzido a exaustão para as pobres famílias faveladas e periféricas, com ânsia da branquitude, muitos que não assumem a própria cor pelo fato de uma educação que não os libertou aderem o desejo de serem opressores, e as vezes o são.
Paulo Freire diz que “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar opressor”, e no Brasil temos esse fator exposto a olhos vistos. Podemos citar a opressão policial, que tem uma péssima formação, péssimas condições de trabalho e que na primeira oportunidade de oprimir alguém, oprime o homem preto utilizando-se de termos racistas para que este possa ser subjugado não somente pelo seu delito, quando há um, mas principalmente por sua cor. Lembrando que a maior parte dos policiais militares no Estado do Rio de Janeiro são pretos ou pardos. Quando um policial militar escolhe um preto e não um branco para fazer a revista policial ele reproduz o racismo, quando o policial tem como potencial suspeito um preto e não um branco ele reproduz racismo, quando o policial se utiliza do auto de resistência para matar um preto e não um branco ele reproduz racismo…
Nós também temos como potenciais bandidos o preto e não o branco, e no nosso subconsciente reproduzimos racismo e é por esse motivo que compartilhamos um vídeo racista sobre uma criança de 4 anos, mesmo que seja por indignação, e não reproduzimos o real motivo de um desabafo de uma atriz negra que utiliza como exemplo seu filho para falar a respeito de racismo no Brasil. Nesse último caso, ainda rimos da sua dor… nós não damos credibilidade a fala de uma mulher preta, nós não compartilhamos a sua dor. Fala de mulher preta não comove, entende?
Até nossa indignação pode estar afetando a nossa luta, precisamos parar para pensar o que vale nosso compartilhamento, o que vale ser reproduzido, o que vale a pena ser dito. Infelizmente essa socialite que faz fama em cima de comentários racistas tem sido divulgada e reconhecida graças a nossa inocente reprodução do racismo de cada dia. Os racistas e conservadores agradecem nossa inocência útil.

*Patrícia Pagu é Pedagoga, trabalha com juventudes, mangueirense e feminista libertária. Umbandista e militante religiosa.
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