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População de Rua, Higienização e outros assuntos correlatos

  • Por Patrícia Pagu
  • 20 de nov. de 2017
  • 6 min de leitura

Celofanes, é como a população em situação de rua é vista na cidade do Rio de Janeiro, na cidade de São Paulo e por todo país. Quase 100% do Pop Rua é preta e se encontram nas calçadas da cidade por diversos motivos: alguns por condições de miséria extrema, outros por terem enlouquecido (muitos por questões sociais, é bom pesquisar a loucura da população negra), outros por terem perdido suas casas em grandes catástrofes (a maior parte por deslizamento de terra ou incêndio em favelas), por questões de vício e/ou ainda pelo fato de terem sido negado o direito ao trabalho desde o dia da assinatura da Lei Área em 13 de Maio de 1888.


Trabalhando na Rua com educação de População em Situação de Rua, tive a percepção de como é desconhecido esse universo que tanto amedronta a classe média e o “cidadão de bem” da Cidade Maravilhosa. Falando rapidamente, a maior parte das pessoas em situação de rua trabalham e seu trabalho remunerado não o dá condições de ir e voltar todos os dias para casa, fazendo com que este permaneça nessas condições, um dos trabalhos mais valorizados na rua é o de carregador de entulhos, onde homens, quase todos pretos, carregam um carro em formato de carroça onde existe uma substituição do animal de carga por eles, humanos pretos. Este carro é chamado de burrinha, por lembrar um carro puxado a burro, eu apelidei esse tipo de atividade de pés de mula, pois assim esses trabalhadores são tratados na condição ao qual se encontram.

Como é a situação da pessoa em situação de rua? Bem, tudo que temos como panorama cotidiano não é comum a esse grupo social. O que mais me chamou atenção é a dificuldade para beber água, por conta das roupas muitas vezes sujas, a falta de banho e a má aparência existe uma dificuldade dessas pessoas entrarem em prédios públicos que possuam bebedores, sendo assim, existe uma grande dependência de outras pessoas acessarem esse bem comum a humanidade para que possam sanar suas necessidades básicas. Nos fins de semana essa tarefa se torna ainda mais difícil, pois a maior parte das instituições estão fechadas, restando os museus e casas de cultura, que pelo motivo citado acima não permite a entrada da maioria desses indivíduos. Aqui falo da população na situação de uma grande capital, o Rio de Janeiro, imagine no interior onde o serviço de museus e casas culturais é quase nulo? Não citei aqui situações como o banho e a higiene básica, para beber água já é esse problema todo, imagine para fazer sua higiene íntima como banho, escovar os dentes, cuidar das suas partes íntimas dentre tantos outros... é muito comum a proliferação de doenças entre as pessoas nessas condições, cito aqui a que mais percebo:Tuberculose.


Isso não foi algo que aconteceu de uma para outra na Cidade Maravilhosa, houve uma construção muito cruel e excludente nisso tudo. No topo deste texto citei a Lei Áurea, e foi nesse momento que as questões relacionadas ao sujeito em situação de rua se agravou. Com falta de uma lei, ou ação afirmativa que trouxesse o negro para a condição de cidadão munido de deveres e direitos previstos na constituição da época, fez com que este fosse para as ruas, em sua maioria. Muitos conseguiram permanecer na casa de seus antigos “donos” trabalhando a troco de comida (condição análoga a escravidão), outros foram para a prostituição, outros foram prestar pequenos trabalhos nas ruas em condições sub humanas (já que não havia escolarização para estes), alguns foram para as ruas viver de pequenos furtos ou outras formas ilegais de sobrevivência, e muitos e eu digo muitos foram para as ruas viver de mendicância. A higienização da cidade pelo então prefeito Pereira Passos foi responsável por tirar muitos pretos libertos do centro e imediações, levando-os para o subúrbio dando-lhes uma marginalização da cultura africana, mas muitos continuaram nas ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro.

A maior parte desses sem documentação ou histórico de sua cultura, reaprendendo a viver, fora de qualquer tipo de inclusão social, tendo vidas paralelas e invisíveis, reproduzindo, criando suas crias, todos em situação de proliferação de doenças e muita miséria. Alguns resistiram a ida para a margem da sociedade, estando a margem no centro da cidade, pela facilidade de alimentação e sobrevivência. Muitos migrantes de diversas partes do Brasil se retiraram em fuga da fome e da seca de suas regiões a fim de buscar um futuro diferente ao de sua origem, a maior parte vinda do Nordeste brasileiro, e por não encontrarem condições de trabalho digno também permaneceram nas ruas da cidade. Também há muitos nordestinos em situação de rua na Cidade Maravilhosa. A maior parte desses caboclos, mamelucos, pardos...

Em mais de um século de libertação dos povos escravizados, oriundos da negritude ou dos povos nativos, o que vemos é uma crescente população em situação de Rua nos grandes centros urbanos. Aqui, dentro da nossa realidade, esse número se faz ainda maior diante das remoções da higienização urbana do governo Eduardo Paes por conta da Copa do Mundo e Olimpíadas que aconteceram nesta cidade nos anos de 2014 e 2016 nessa ordem. Sendo o Rio de Janeiro uma cidade com um grande tráfico negreiro entre século XVII ao século XIX, talvez tenha sido a maior cidade escravagista do país, seus reflexos foram vistos a olhos nus durante esses dois grandes eventos, pois a maior parte da população em situação de risco social no município é negra e/ou nordestina.


Agora quero falar das remoções para a construção de estradas, condomínios de luxo e polos esportivos tendo como símbolos de resistência e violência institucional a Vila Autódromo. Situada na Barra da Tijuca, uma vila de pessoas simples que não tiveram indenizações a altura do valor empregado em suas residências, lembrando que a Vila Autódromo não se tratava de ocupações irregulares, mas de casas regularizadas pela prefeitura do Rio, todas pagavam IPTU.



Uma outra remoção com grande impacto nas redes sociais, já que a grande mídia não noticiou, foi a favela Metrô Mangueira, onde negros e negras corriam e resistiam para defender as suas casas, colocando a própria vida como escudo humano. Do outro lado, um mandato de despejo por vias legais sendo cumprida por uma polícia negra, mestiça e violenta, eu apelido esse tipo de opressão como síndrome de Capitão do Mato (onde pretos e partos reprimem pobres pretos e pardos, todos em condição de escravidão do sistema em vigor).


Muitas das vítimas das remoções foram para as ruas da cidade, por diversos bairros foram se acomodando. E por que a rua e não casas de aluguel já que todos foram contemplados com ações sociais do governo e devidamente cadastradas? Pelo fato da super valorização dos imóveis na cidade impedir que o valor oferecido pelo projeto aluguel social do governo federal, com repasse das prefeituras oferecido as famílias as possibilitasse pagar um aluguel justo, até que suas casas prometidas por um outro projeto de habitação popular do governo federal administrado também pela prefeitura, o Minha Casa Minha Vida, os disponibilizasse casas para a habitação e ressarcimento de seu imóvel removido do bairro onde residia. Se antes haviam grandes senzalas, onde existiam um grande armazenamento de negros e negras que serviam a classe média e a elite, em sua maioria brancos e brancas escolarizados e escolarizadas, as senzalas modernas chamadas de favelas, agora temos nas ruas da cidade um quantitativo cada vez maior de desabrigados da higienização moderna dos grandes eventos entre os anos de 2014 e 2016.

Muitas são as promessas voltadas para este grupo social, nenhuma cumprida. A população em situação de rua é duramente oprimida e rechaçada pela população como um todo, pelos políticos e por todos os outros grupos sociais que vivem em situação de vulnerabilidade social. Pela dificuldade de identificação, muitos perdem seus documentos, morrem pelas ruas sem identificação. Vítimas de doenças com difícil acesso a tratamento no sus pela falta de documentação ou informação de projetos para o grupo em questão. Alguns desescolarizados. Outros sem nome. E há os intelectuais da rua, que tiveram estudo ou ainda emprego e vivem a situação vexatória da falência múltipla dos órgãos do Estado, no nosso caso, do Rio de Janeiro.

Miséria e exploração da condição humana é coisa de branco que se aproveita do poder para se favorecer em cima de uma população pobre, preta, nordestina, carioca, pobre novamente e invisível para obter riqueza e ainda mais poder. Nosso histórico diz isso, e nós fingimos que não vemos, por sobrevivência ou mau caratismo.


*Patrícia Pagu Pedagoga, trabalha com juventudes, mangueirense e feminista libertária. Umbandista e militante religiosa.

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